Vida e Obra de Johnny McCartney (1971)
DOWNLOAD!01. Johnny McCartney
02. Por que Não?
03. Lady Baby
04. Sentado no Arco-Íris
05. Pobre do Rei
06. Peguei uma Apollo
07. Sr. Imposto de Renda
08. Não há Lei em Grilo City
09. Convite para Ângela
10. Deixo o Tempo Me Levar
11. Contatos Urbanos
12. Bis
13. Johnny McCartney
Em 1970, já separado de Lilian (com quem fez uma dupla de sucesso na Jovem Guarda), Leno preparava-se para lançar pela CBS seu terceiro disco solo, "Vida e obra de Johhny McCartney", que deveria ter sido lançado em 1971 - mas só saiu em 1995, pelo selo independente de Leno. Visionário, o disco mostrava algumas novidades para a época: era gravado em oito canais e trazia um som bem mais realista e pesado do que costumeiramente era visto em rock nacional.
Além disso, tinha em sua ficha técnica o grupo de rock A Bolha e um desconhecido produtor-compositor-cantor-arranjador, um tal de Raul Seixas... O tal disco, com ares de LP "conceitual", no entanto, ficaria arquivado de 1971 a 1995, quando finalmente seria lançado pelo próprio selo indepedente de Leno, sem muito alarde.
Vida e obra de Johnny McCartney, um disco totalmente inovador e contestador, é uma das páginas mais intrigantes da história do nosso rock.
Antes, Leno, ou melhor, Gileno Azevedo, era mais conhecido pela dupla com Lilian Knapp, na década de 60. Apesar das brigas nos bastidores, a dupla conseguiu emplacar uma série de sucessos, a maioria deles pontos de referência até hoje quando se fala em Jovem Guarda. Sempre que algum cantor "cabeça" quer dar um ar mais popular ao seu repertório, acaba recorrendo a canções como "Devolva-me" (gravada por Adriana Calcanhoto) e "Pobre menina". Alguns desses sucessos eram assinados por Renato Barros, guitarrista do grupo Renato & Seus Blue Caps, amigo de Leno e namorado de Lilian.A carreira solo de Leno, após o fim da dupla com Lilian, inicou-se com sucessos como "A pobreza" (aquela mesma, do "a garota que eu adoro, por quem tanto choro, não pode me ver..").
Gravando na CBS, o cara acabou tendo contato com um dos produtores da casa, ninguém menos que Raul Seixas, que na época usava o pseudônimo de Raulzito e compunha músicas para Leno & Lilian, Odair José, Ed Wilson e Renato & seus Blue Caps - Raul dizia ter composto cerca de 80 músicas entre 1969 e 1973, sendo que algumas delas se tornaram grandes sucessos, como "Doce doce amor" (Jerry Adriani) e "Sha-la-la" (com o próprio Leno).
O disco que seria Vida e obra de Johhny McCartney só poderia ser pensado, obviamente, após o esvaziamento da estética naif da Jovem Guarda - que levou vários artistas daquele período a se arriscarem em trabalhos arrojados e diferentes do "iê iê iê romântico" da década de 60 - e à separação dos Beatles, que inspirou o título do álbum.
Outros detalhes estavam em jogo: o contato de Leno e Raul havia gerado uma série de músicas pesadas, inspiradas no hard rock e na fusão com o soul em voga na época (a banda hard carioca A Bolha acabou sendo chamada para gravar quatro músicas) e Raul, já com um pé fora da "linha de montagem" da CBS, ousou trabalhar quase em parceria com Leno, escrevendo várias letras e fazendo backing vocals além de produzir. "Sentado no arco-íris", uma das faixas, era, segundo Raul, a primeira letra que ele se orgulhava de ter escrito.
O DISCO: Vida e obra de Johnny McCartney até pelo cacife dos músicos envolvidos (imagine a historinha: "músico popular-brega enlouquece e resolve gravar um disco de rock´n roll pesado ao lado de um produtor também tão brega e maluco quanto ele e de uma desconhecida banda rockeira pesada") não poderia mesmo ter feito sucesso.
Se lançado em 1971, poderia ter se tornado um disco cultuado. Ouvido hoje, se não soa atual, pelo menos impressiona. Entre músicas de Leno, parcerias com Raul (creditadas a "Raulzito Seixas") e contribuições de amigos, pesca-se um som que tem mais a ver com bandas como Sly & The Family Stone, Beatles pós-67, Cream e Steppenwolf, como na faixa título. Outras faixas seguem essa linha, como "Por Que não?" (plágio descacetado de "All right now", do Free) e a já citada "Sentado no arco-íris", com um marcante riff de guitarra, ritmo inspirado no Cream e uma letra de inspiração gospel, que chega a falar em "gente sem terra, gente sem nome". Segurando a onda de Leno, haviam Renato Barros, Raul Seixas, Paulo César Barros, o pessoal da Bolha (Pedro Lima, Renato Ladeira, Arnaldo Brandão e Gustavo Schroeter) e o grupo uruguaio The Shakers.
Em algumas faixas, Leno voltava ao passado. "Lady baby" trazia um arranjo claramente inspirado nos Beatles e na Jovem Guarda - acabou se tornando, por sinal, uma das poucas músicas do disco a ser lançada em single -, o mesmo acontecendo no rock "Deixo o tempo me levar". De resto... "Pobre do rei", composta por Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, era uma espécie de versão beatle de O rei que não sabia de nada (aquele livrinho infantil que todo mundo leu no colégio) e acabou censurada - Marcos a regravaria no disco Garra com o nome "Jesus meu rei". O rock´n roll "Peguei uma Apollo", pertencente ao repertório da Bolha, acabou sendo uma das poucas a passarem batidas pela censura, que estranhamente não implicou com os versos "mas que coisa sub, sub/envolvida/sub, sub/entendida". O irônico country-rock "Sr. Imposto de renda" (definido no encarte como "a nossa 'Taxman' "), por sua vez, só seria liberado se todos os censores tivessem tomado ácido - assim como em "Não há lei em Grilo city", que trazia versos como "a realidade fere, fere até você e eu (...)/e o xerife aponta, desmonta e conta/John Wayne é o seu herói". Já que a história aponta que os EUA financiavam a ditadura nos países latino-americanos... E a loucura dos censores era tanta que a implicância maior acabou sendo com o verso "bisa comigo", da inocente "Bis" - que encerra o disco junto a uma coda da faixa-título.
Para quem costuma acompanhar a carreira de Raul, uma das músicas é especialmente curiosa: "Convite para Ângela" traz uma melodia idêntica à de "Sapato 36", música que Raul gravaria em 1977 (mas sem crédito para Leno). Já a countryficada "Contatos urbanos", composta por outro produtor da CBS, Ian Guest, era uma espécie de "Sinal fechado" (aquela música do Paulinho da Viola) versão pós-Jovem Guarda. Mesclando inocência jovemguardista, peso, tons político-sociais nada discretos e fortes mudanças de paradigma, Vida e obra de Johhny McCartney foi, no fim das contas, uma das mais interessantes pedras colocadas sobre a tumba do iê-iê-iê.
E DEPOIS?: Das 13 faixas de Johnny McCartney só quatro foram editadas num compacto duplo da CBS: "Johhny Mc Cartney", "Peguei uma Apollo", "Lady Baby" e "Convite para Ângela". Quando a censura deu o golpe fatal no disco, a CBS escutou o conteúdo e determinou o arquivamento do LP.
Se o clima tenso e contestador de letras como "Sentado no arco íris" havia desagradado os censores, as melodias nada comerciais (para a época) do LP também não tiveram o menor êxito com a gravadora.
Pior: numa mudança de gravadora, ainda nos anos 70, Leno procurou pelo tape e soube por um funcionário da CBS que as fitas originais haviam sido apagadas. Como as fitas masters de discos antigos eram guardadas sem o menor cuidado, era provável que Vida e obra... já tivesse ido parar na lata de lixo.
O disco só foi sair porque, em 1994, o pesquisador musical Marcelo Fróes (aquele mesmo, do International Magazine), achou os tapes originais, guardados em duas caixas empoeiradas nos arquivos da Sony music.
Lançado em pequena tiragem no ano de 1995, foi como se não tivesse saído nunca: poucas revistas noticiaram o fato e as rádios não tocaram nada do disco, que hoje está esgotado. Se a censura já havia sacaneado geral, o pior castigo para Leno e seu Johhny McCartney foi terem perdido o trem do reconhecimento, ainda que tardio.
Texto de Ricardo Schott, publicado no site discotecabasica.com.
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